quinta-feira, 26 de julho de 2007

A rua ainda é um dos melhores lugares para se aprender propaganda.

Artigo que saiu na Meio e Mensagem e que eu compartilho com vocês. É do Ruy Lindenberg, da Leo Burnett. Vale a pena ler.

"Na semana passada, fiz uma coisa da qual normalmente saio correndo assim que ouço falar: uma palestra. Sempre achei mais divertido escrever do que falar, mas como dessa vez não teve jeito, acabei indo à ESPM para conversar com a moçada. E ali falei de uma preocupação que tem me acompanhado há algum tempo. Graças à facilidade da internet e da globalização, de uma maneira geral, eu tenho visto sair das escolas de propaganda uma geração de profissionais que chega ao mercado conhecendo os prêmios publicitários mais importantes do mundo, os trabalhos que têm feito sucesso, os profissionais e países que mais estão se destacando, etc. Ou seja, uma geração de profissionais com baixo índice de leitura, pouca cultura cinematográfica e teatral e que tem se alimentado basicamente do mesmo: propaganda.

E aí surgem trabalhos sem originalidade, repetitivos, que já foram feitos antes. Na palestra da ESPM escolhi como tema o veículo rádio por dois motivos: pela tradição que ele tem no País e pela premiação expressiva que recebeu no último Festival de Cannes. Nessa categoria, o Brasil teve um ótimo desempenho: das 68 peças inscritas, conseguimos um aproveitamento de quase 10%, ou seja, seis Leões. Um resultado maravilhoso, certo? Errado.

Basta ligar o rádio para vermos, ou melhor, ouvirmos uma outra realidade. A maioria dos nossos spots se baseia em uma piada seguida de uma longa explicação que tenta juntar a piada a um produto que se deve vender. Além de ser um formato limitado, nem sempre uma coisa cola com a outra. Isso é lamentável, pois nosso país tem uma tradição enorme no rádio, muitos dos nossos humoristas nasceram ali, e as próprias radionovelas deram origem àquele que é um dos melhores produtos da TV: a telenovela.

Ou seja, está faltando à propaganda se alimentar mais da experiência que inúmeros talentos nos deram com esse veículo durante décadas, da música, que no Brasil é riquíssima, da arte, do povo, enfim, da cultura popular. Para ilustrar o que eu estava querendo dizer, mostrei para os alunos da ESPM vários exemplos, entre eles o CD Deus lhe Pague, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, que tem uma música chamada Lamento do João.

Durante a sua execução, ouvimos um texto interpretado por Walmor Chagas que conta com ironia e bom humor a justificativa do João para ter escolhido como profissão a mendicância. “Eu saí cedo de casa. O pai mandava brasa sem parar, e as crianças nasciam, cresciam e morriam, tudo ao mesmo tempo. Saí e fui andando. Às vezes, pegava um leito, um mutirão, mas não era o que meu coração pedia. Meu coração pedia sombra, água fresca e colo de moça bonita. Um dia, eu estava tão esmulambado que um cara, sei lá, devia ser louco, meteu a mão no bolso e me passou um Deodoro. Rapaz! Eu não sei como minha mão foi caminhando pra frente, sem me pedir licença. Foi, e de repente ficou assim, parada no ar, de palma pra cima, numa aceitação tão linda que cheguei a ficar com lágrimas nos olhos. Intentei bem naquela mão, naquele gesto, sentindo que ele me dava tudo o que eu queria da vida. E foi aí que eu comecei a trabalhar de mendigo.”

E por aí vai o texto justificando a prática de esmolar como nobre atividade econômica. Em um país como o nosso, não dá para ignorar um Ary Barroso, que com sua gaitinha pontuava as transmissões esportivas, a sátira política de Alvarenga e Ranchinho, ironizando o ditador Getúlio, o trabalho maravilhoso de Chico Anysio com seus múltiplos personagens, muitos dos quais ele levou mais tarde para a televisão. Por mais antigos que sejam esses exemplos, eles me parecem mais originais e poderosos do que a maioria das coisas que tenho ouvido por aí ultimamente.

Se olharmos para dentro da alma humana, pelo menos até onde eu consigo enxergar, me parece que os pecados e as virtudes continuam os mesmos do Velho Testamento. A essência do homem é mais ou menos a mesma. A grande mudança foram os meios de comunicação que hoje estão à disposição e que podem mexer com emoções e sentimentos. Mas para vermos isso precisamos fechar os anuários publicitários por algumas horas e manter os olhos e os ouvidos bem abertos.

Felizmente, existem exemplos interessantes e ilustrativos por todo lado. Quem está fazendo um bonito trabalho para chegar mais perto de um público até então ignorado é a Regina Casé, com Central da Periferia, que procura conhecer esse universo dos barracos e das favelas. Acho também ótimo o trabalho do Maurício Kubrusly com o quadro Me Leva Brasil e a programação do Canal Futura sob o comando da dinâmica Lúcia Araújo, que resgata valores e exemplos da cultura popular normalmente ignorados pela mídia de massa ou empacotados como programas culturais para uma elite alienada e pouco curiosa.

No momento em que se discute a qualidade da propaganda brasileira, quando assistimos à volta do garoto Bombril à TV, ao retorno de Luiz Fernando Guimarães como garoto-propaganda da Caixa Econômica Federal e ao renascimento do Baixinho da Kaiser, que retorna com a missão de recuperar o market share que a cerveja perdeu consistentemente nos últimos anos, parece-me sensato ampliarmos o nosso horizonte criativo. Afinal, essa é a nossa matéria-prima para transformarmos produtos e personagens em heróis, não de nós mesmos, publicitários, mas sim do consumidor.

O grande desafio que temos hoje é o de transmitir, por meio de modernos veículos de mídia, mensagens que toquem os sentimentos que movem as pessoas. Entender isso, por mais desafiador e difícil que seja, significa compreendermos a essência da nossa profissão."

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